Um Homem tem de ser morto (1974)

Brasil (RS)
Longa-metragem | Ficção
35 mm, cor, 81 min

Direção: Davide Quintans.
Companhia produtora: Reflexo Filmes

Primeira exibição: Gramado (RS), II Festival do Cinema Brasileiro de Gramado [21-26 jan]-Mostra Competitiva Longa-metragem, Cine Embaixador, 25 jan 1974, sex, 16h

 

Dirigido pelo cineasta português Davide Quintans, Um Homem tem de ser morto narra a luta pelo poder em um país imaginário, chamado Guarybe. É o primeiro título gaúcho a ser selecionado para o  Festival do Cinema Brasileiro de Gramado, em 1974. Alvo de censura por parte do regime militar brasileiro (1964-1985), foi proibido e só estreou em Porto Alegre nos anos 1980. O motivo foi o roteiro subversivo, que fala numa tentativa de revolução armada, para depor um presidente autoritário. Nessa distopia política, estruturada através de flashbacks, dois rivais se enfrentam: Simon, líder da nação e de uma entidade chamada Organização; e Hasting, um antigo colaborador do regime, disposto a derrubá-lo após disputar eleições fraudadas. O comandante é protegido por uma polícia muito bem equipada, que persegue e elimina opositores. Esses agentes serão fundamentais para garantir a sua perpetuação no cargo, uma vez que a intentona fracassa, e os corpos dos revoltosos precisam ser escondidos.

Há uma clara conexão da ficção com a realidade. Na época das filmagens, Portugal também vivia um ciclo ditatorial, não mais capitaneado por António de Oliveira Salazar (1889-1970), mas ainda sentindo seus ecos. Após 36 anos no poder, Salazar havia se retirado do governo em 1968, depois de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral), e morreu acreditando que ainda estava no posto. Um dos principais opositores do salazarismo foi Humberto Delgado (1906-1965), o "general sem medo", um apoiador inicial do movimento que optou por combatê-lo. Em 1958, ele disputou eleições, obtendo apenas 23% dos votos, apesar de ter muito apoio popular. Exilado, também se envolveu em articulações golpistas, sendo executado. O personagem de Hasting é inspirado em Delgado. Embora o filme de Quintans não apresente um desfecho favorável à guerrilha, ele encerra a película – na versão lançada na década de 1980 – com cenas da Revolução dos Cravos (1974), que afastou os militares e reestabeleceu a democracia na nação lusa.

Críticos como Tuio Becker (1943-2008) não gostaram. O jornalista criticou a utilização de elementos fantásticos (o uso dos nomes fictícios de países Guarybe, Yurima, Marduk) uma vez que o espectador conseguia reconhecer que as cenas haviam sido feitas em Porto Alegre, Gramado e Pelotas. O autor opina que melhores resultados teriam sido alcançados se o diretor assumisse que estava falando de sua terra natal, Portugal. Considerações negativas também envolveram "o gosto por um enquadramento rebuscado", além da busca por um "refinamento europeu". O figurino também foi atacado, por conter trajes extravagantes (soldados) ou clichês (guerrilheiros). Em seu texto, Becker reconheceu, contudo, um grande mérito: a coragem de se tentar fazer um cinema diferenciado em um estado com uma "cinematografia tão pobre quanto a gaúcha".

Davide Quintans começa no cinema como assistente no seriado Shell's wonderful world of golf (1963) sobre os campeonatos de golfe patrocinados pela empresa petrolífera e realizado com uma equipe de 120 pessoas. Realiza documentários para o governo português e o média Maná, sobre portugueses expatriados. Em Passaporte para o perigo (A Man could get killed, Ronald Neame, Cliff Owen, 1966, US), com Melina Mercouri, rodado em Portugal, atua como assistente de direção, posto que ocupa em Comando de asesinos (Julio Coll, 1966, ES-PT-DE), Sete balas para Selma (António de Macedo, 1967, PT), Benjamin ou Les Mémoires d'un puceau (Michel Deville, 1968, FR), Zärtliche Haie (Michel Deville, 1967, DE-FR-IT), entre outros. Também foi encenador e ator de peças infantis. Realizou estágios no IDHEC e na ORTOF (rádio e TV francesa). Ele chega ao Brasil no final de 1970, com a intenção de fazer um filme sobre as Bandeiras, baseado na biografia de Antonio Raposo Tavares.

Além dos três curtas sobre o Festival de Gramado que lança nos anos 1990, é o coordenador editorial das publicações Gramado – 30 anos de cinema brasileiro (2002) e 35 anos do Festival de Cinema de Gramado – Memória cultural (2.ed.rev.ampl., 2008).

Sinopse


Hasting é um dos homens de confiança de Simon, presidente vitalício da Organização. Hasting começa a ter consciência de que o regime de Simon já não tem mais condições de sobrevivência, e aproveitando as eleições que vão haver em breve, se opõe ao regime de Simon se candidatando. O povo ao ver que houve alguém com a coragem de levantar a voz contra Simon, dá todo o apoio a Hasting. Através de eleições fraudulentas Simon se mantém no poder, e começa movendo uma perseguição contra Hasting, sendo este obrigado a pedir asilo numa embaixada. Depois de muitas discussões Simon autoriza a ida de Hasting para o exílio. Do exílio Hasting através de várias tentativas armadas tenta recuperar a posição, que ganhou legitimamente, mas todas elas, fracassam devido à infiltração de homens de Simon nas suas fileiras. Hasting não perde a esperança de depor Simon e restabelecer a ordem em Guarybe. Alguns anos mais tarde Hasting é atraído até a fronteira de seu país por Kramer, pois segundo este existem homens e armas suficientes para derrubarem Simon. Hasting depois de estudar o plano aceita, pois é a última esperança que tem para derrubar o governo. Quando ele se encontra no local de onde deveria partir o ataque, vê que tudo não passou de uma cilada para matá-lo. Depois de uma perseguição de automóvel, Hasting é assassinado e enterrado perto de um rio juntamente com a secretária. (do verso do cartazete)

Sinopse desenvolvida:
De noite, em uma região deserta, três homens se reúnem para comentar sobre o êxito de uma operação secreta. Eles vão até um carro, no qual estão os corpos de pessoas mortas. Um deles pede que os cadáveres sejam removidos dali, pedido que começa a ser atendido por forças policiais. No dia seguinte, em um palácio, o chefe dos policiais cita o objetivo da operação (trazer Hasting vivo), e critica o resultado prático (a vinda do corpo dele), dizendo ser difícil justificar esse óbito. Surge uma ordem para se livrar dos restos mortais daquelas pessoas. Guardas obedecem ao comando, atravessando uma fronteira – com a desculpa de que estão levando medicamentos. Os mortos são enterrados, nas proximidades de um riacho. Posteriormente, uma criança descobre o pedaço de uma mão solta, na mesma região. O homem está morto.

No passado, Simon prepara-se para chegar de uma viagem. Ele agradece pela colaboração de todos, mencionando que o trabalho conjunto lhe garante a presidência da organização. Na beira de uma sacada, Hasting faz um discurso para promover sua candidatura rival à presidência – acusando Simon de gerar caos econômico e social. Hasting diz que, após vários anos, Simon se recusa a entregar o poder ao povo. As eleições acontecem. Um chefe de polícia pede o controle de fronteiras, para evitar que Hasting deixe o país. Guardas também invadem zonas eleitorais e queimam votos favoráveis à oposição, além de perseguir pessoas, na rua. Os jornais anunciam que Simon ganhou o pleito, enquanto Hasting recebe asilo no exterior – desde que não retorne para Guarybe.

No futuro, Hasting participa de uma reunião de um grupo de revolucionários. Eles querem tomar uma cidade de fronteira chamada San Marino – essencial para capturar Guarybe, depois. Hasting discursa, dizendo que tornará seu país livre, organizado e feliz novamente. A tentativa de tomar San Marino, no entanto, fracassa. Agente de segurança conseguem reestabelecer o controle da situação, fazendo os guerrilheiros fugirem. Hasting se decepciona, pois não esperava uma reação contrária tão eficaz. Ele se questiona acerca de quem poderia tê-lo traído, afinal. Algum tempo depois, Hasting encontra Kramer, um suposto agente infiltrado junto ao inimigo Simon. Kramer diz ter um plano, com muitos homens e armas disponíveis para finalmente derrubar Simon.

O governo de Simon, no entanto, monitora todos os acontecimentos, e sabe dessa aliança. Paralelamente, indivíduos invadem o apartamento de Hasting enquanto ele não está no local, recolhendo mais informações sobre a insurreição. Escoltado até uma casa afastada, por Kramer, Hasting é vítima de uma emboscada, sendo arrastado e morto. Os assassinos, posteriormente, também procuram Susie, sua secretária, e a questionam a respeito de um suposto envelope. Ela diz não saber do que se trata, e acaba sendo estrangulada. Após os crimes serem cometidos, vê-se uma multidão nas ruas portugueses, celebrando a Revolução dos Cravos, que ajudou a derrubar a ditadura no país europeu.

Locução final: "Nove anos após, Portugal despertou de um longo pesadelo de 48 anos. Lisboa, 25 de abril de 1974".

Ficha técnica


ELENCO
Geraldo D'El Rey (Hasting), Suzana Bernhardt (Suzy), Ricardo Hoeper (Kramer),
Pedro Machado (Bonnard), Loreni Munhoz (Gaston), Zeno Ribeiro (Harold), Alventino Rocha (Heinrich), Luiz Carlos Neves (Dave), Nelson Lima (Simon), Davide Quintans (Michel), Rui Favalli Bastide (Embaixador),
Solon Michalski (Secretário do ministro), Jaime Carvalho (Ministro), Nelson Campos, Glênio Peres, José Wood Filho (Alfred), Mauricio Antônio Silveira, Ivan Aune (John), Mário Antônio (Prisioneiro).
Apresentando: o menino Ricardo Hoeper Filho.

DIREÇÃO
Direção: Davide Quintans.
Assistência de direção: Antonio Jesus Pfeil.
Continuidade: Lucie Michalski.

ROTEIRO
Argumento e diálogos: Eric Nepomuceno, Davide Quintans, Tuio Becker.

PRODUÇÃO
Produção: A. S. Vernetti.
Produção associada: Davide Quintans.
Direção de produção: Milton Lino Bittencourt.

FOTOGRAFIA
Direção de fotografia e operação de câmera: Alexandre Ostrovski.
Assistência de câmera: Antonio Augusto Elias.

Eletricista chefe: Miguel Elias.

Fotografia de cena: Régis Cunha, Erwin Rheinheimer.

ARTE
Maquiagem: Jaime Carvalho.

SOM
Técnico de som: Dirceu K. Sanches.

MÚSICA
Música e arranjos: Luis N'Gambi.

Músicas:
• "Grândola, Vila Morena" (música, letra: José Afonso) por Paula Ribas
• "Traz outro amigo também" (música, letra: José Afonso) por Paula Ribas

FINALIZAÇÃO
Montagem: Eduardo Leone, Dora Mourão.
Edição: Raffaele Rossi.

EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS
Película: Kodak Eastmancolor.
Som: Gravado em magnético Pyral.
Estúdio de dublagem: A. I. C..
Estúdio de gravação da música e ruídos: E. C. Dist. Imp. Cinemat. Ltda..
Estúdio de mixagem: Odil Fonobrasil (São Paulo).
Laboratório de imagem: Rex Filme (São Paulo).

MECANISMOS DE FINANCIAMENTO
Companhia produtora: Reflexo Filmes (Porto Alegre).

AGRADECIMENTOS
Os produtores agradecem a colaboração de: Aldo Auto Capas, Hotel Serra Azul (Gramado), Motéis Manta S.A. (Pelotas), Everest Palace Hotel (Porto Alegre), Elias Kalil Pocos, dr. Luis Simões Lopes, Satte Alam, dr. Otoni Ferreira Xavier, deputado Lélio Sousa, Camisas Derby, Ford do Brasil, Caruccio Com. Ind. S.A. (Pelotas), João Francisco Collares, Arrozeira Meridional, Engenho S. Paulo, Casa Velocino Torres, 8º BDA. Infantaria Mot., Polícia Rodoviária Federal (Pelotas), Rede Ferroviária Federal (Porto Alegre), IPEAS, Coleção de armas / dr. Francisco Silva, Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

FILMAGENS
Brasil / RS, em Pelotas [no início, dois carros passam em frente ao Castelo do Major, na esquina da Quinze de Novembro com a Conde de Porto Alegre]; em Porto Alegre; em Gramado.

ASPECTOS TÉCNICOS
Duração: 81 min
Metragem: 2.330 metros
Número de rolos:
Som:
Imagem: cor
Proporção de tela:
Formato de captação: 35 mm
Formatos de exibição: 35 mm

DIVULGAÇÃO
Cartaz: 79 x 58 cm. Desenho: João Mottini. Reprodução pb em BECKER, p.15. Exemplar na Cinemateca Brasileira.
Cartazete: verso com informações.

DISTRIBUIÇÃO
Certificados: CPB n.130 em out 1974 e revalidado como CPB n.341 em nov 1979.

OBSERVAÇÕES
Cf. créditos iniciais: // Os incidentes apresentados neste filme como ficção, são baseados em fatos reais. //
Os outros seis filmes da Mostra Competitiva de Longas do Festival de Gramado são: Amante muito louca (Denoy de Oliveira), O Descarte (Anselmo Duarte), A Faca e o rio / João und das Messer (George R. Sluizer), Os Primeiros momentos (Pedro Camargo), S. Bernardo (Leon Hirszman) e Vai trabalhar vagabundo (Hugo Carvana).
Sugestão de "frases para anúncios", no verso do cartazete: "(...) história do precursor do movimento que libertou Portugal do jugo salazarista"; "(...) relato fiel dos acontecimentos que culminaram com a morte do líder oposicionista português Humberto Delgado".
Cf. Cinemateca Brasileira, a duração seria 85 min, diferente da cópia analisada disponível.

Títulos alternativos: Um Homem tem que ser morto
Grafias alternativas: David Quintans | Milton Eric Nepomuceno | Rui Bastide | Lino Bitencourt | Ervin | Antônio A. Elias | Rafaelle Rossi | Rex Filmes S.A. | Odil (cf. créditos) | Geraldo D'El Rey aka Geraldo Del Rey
Grafias alternativas (funções): Fotógrafos [= Fotografia de cena]

Exibições


• Gramado (RS), II Festival do Cinema Brasileiro de Gramado [21-26 jan]-Mostra Competitiva Longa-metragem, Cine Embaixador, 25 jan 1974, sex, 16h

• Porto Alegre (RS), Bristol, três dias em 1981

• Rio de Janeiro (RJ), Nosso II Festival de Cinema Brasileiro do Rio de Janeiro [13-20 maio],
Coper-Botafogo (R. Voluntários da Pátria, 86), 15 maio 1984, ter, 21h
Ricamar (Av. Copacabana, 360), 16 maio 1984, qua, 15h, 17h, 19h

• Porto Alegre (RS), Retrospectiva cinema gaúcho [16 set-6 out], Cinemateca Paulo Amorim-[Sala Paulo Amorim], 22 set 1985, dom, 19h, 21h (+ Meu nome é... + Um Maravilhoso espanto de viver)

• Porto Alegre (RS), Projeto Raros, Sala P. F. Gastal, 16 dez 2016, sex, 20h (debate com D. de O. Pinheiro)

Como citar o Portal


Para citar o Portal do Cinema Gaúcho como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
Um Homem tem de ser morto. In: PORTAL do Cinema Gaúcho. Porto Alegre: Cinemateca Paulo Amorim, 2024. Disponível em: https://www.cinematecapauloamorim.com.br//portaldocinemagaucho/171/um-homem-tem-de-ser-morto. Acesso em: 19 de maio de 2024.