Terra dos índios (1979)

Brasil (RJ)
Longa-metragem | Não ficção
35 mm, cor, 105 min

Direção: Zelito Viana.
Companhia produtora: Produções Cinematográficas Mapa Ltda.; Embrafilme Empresa Brasileira de Filmes S.A.; Grupo Filmes Ltda.

Primeira exibição: São Paulo (SP), 3ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo [17-31 out]-Competição, MASP Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 29 out 1979, seg
Primeira exibição RS: desconhecida.

 

Terra dos índios parte de uma reunião de caciques, realizada em março de 1978, para mostrar os problemas das comunidades indígenas em todo o país, não só no Xingu e no Pará mas também no sul.

Sinopse


Sobre as condições de existência de algumas tribos indígenas que ainda existem no Brasil: os kaingang do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina; os guarani do Paraná e Mato Grosso do Sul; os cadiuéu, os xavantes, os terena e os cajabi de Mato Grosso do Sul. O antropólogo Darcy Ribeiro coloca historicamente o confronto entre o índio e a civilização branca. Um índio guarani, Marçal, analisa as condições de vida dos índios mato-grossenses do sul.

Dividido em três partes:

// Eu fui nascido e criado aqui // Sobre os índios kaingang da reserva de Nonoai (RS), que partir de abril de 1978 iniciam um movimento para a expulsão dos invasores brancos que ocupavam 90% do seu território.

// O índio como negócio // Sobre a exploração econômica das áreas indígenas feita pelos órgãos de proteção (FUNAI), a partir de empreendimentos agropecuários e arrendamento ilegal das suas terras. A emancipação defendida pela FUNAI e contestada por líderes indígenas, por dom Tomás Balduino, presidente do CIMI, e também por Darcy Ribeiro.

// Nosso documento é a tradição // Sobre a resistência cultural dos grupos indígenas. Índio continua índio apesar de todas as pressões sociais pela sua aculturação.

Cartelas: // Eu fui nascido e criado aqui // Invasão // Primeira vitória // Um à unha outro a ferro // Três meses depois – maio 1978 // Seis meses depois – novembro 1978 // O índio como negócio // Caso Marçal // O grande golpe // Projeto Jari, fábrica flutuante de celulose // Fábrica da Volkswagen do Brasil, São Paulo // Ato público contra a emancipação, São Paulo, 8 nov 1978 // Nosso documento é a tradição // Uma festa tupi // Três dias depois // Esta não é a nossa // Dois personagens //

Ficha técnica


IDENTIDADES
Ordem de identificação: Marçal de Souza (guarani), Mário Juruna (xavante), Ângelo Kretã (chefe kaingang de Mangueirinha), Darcy Ribeiro (30ª Reunião Anual da SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, jul 1978), Niré (kaingang), Nelson Xangrê (chefe kaingang de Nonoai), Ângelo Iacan (kaingang), Menfá (kaingang), Ângelo Bonfatti (posseiro), Olim Bringuenti (comerciante), Joaquim Karinri (kaingang), Antonio Canheró (kaingang), Hortêncio Futêi (kaingang), d. Tomás Balduino (presidente do CIMI Conselho Indígena Missionário), Clemente (kaingang), Virgulina (kaingang), Gumercindo (kaingang), Marcelino, Alcides Xantê (kaingang), Daniel Cabixi (parecí), Tito (nambikwara, MT), Norberto Potã (guarani), Claudio Ninito (guarani), Ireno (capitão caiuá), Ramón Machado da Silva (terena, capitão do Posto Indígena de Dourados), Ambrosio da Silva (cadiuéu, Posto Indígena de Badoquena), Mairaue (cajabi, chefe do Posto Indígena de Diauarun), Olimpio Serra (então diretor do Parque do Xingu), Aniceto Tzudzauéré (cacique xavante de São Marcos), Tiburcio (terena, capitão do Posto Indígena de Taunay), Maria Rosa (ofaié-xavante, Posto Indígena de Icatu), Weran (suiá, MT).
Arquivo: Ângelo Kretã (chefe kaingang de Mangueirinha / TV Paranaense Canal 12, Curitiba, nov 1977), general Ismarth de Araújo (presidente da FUNAI Fundação Nacional do Índio / dez 1977), Sergio Mota Melo (repórter Jornal Nacional TV Globo), Ernesto Geisel (presidente BR 1974-1979, no Dia do Índio, 19 abr 1977).
Narração: Fernanda Montenegro.
Não creditado: Zelito Viana (voz).

DIREÇÃO
Direção: Zelito Viana.

ROTEIRO
Roteiro (não creditado): Zelito Viana.
Texto (não creditado): Darcy Ribeiro, Carlos Moreira Neto, Zelito Viana.
Pesquisa: Zelito Viana, Eloisa Guimarães. Colaboração: Lígia Simonian / CIMI Regional Sul.

PRODUÇÃO
Produção e produção executiva (não creditado): Zelito Viana.
Direção de produção (não creditado): Roberto Beluco.

FOTOGRAFIA
Direção de fotografia e operação de câmera: Affonso Beato
Assistência de câmera: Francisco Balbino Nunes.
Operação de câmera adicional: Luiz Carlos Saldanha, Ricardo Stein, Lucio Kodato.

SOM
Som direto: Barbara Margollis.
Som direto adicional: Jorge Saldanha, Guido Cavalcanti, Sidney Paiva Lopes.

MÚSICA
Músicas:
• "Flautas Taquará" (xingu)
• "Grito olímpico" (xingu)
• "Canto fúnebre Trumai" (xingu)
• "Canção para o branco" (kaingang) por Ângelo
• "Ngwaren ngere" ["Corrida de tora"] (suiá)
• "Mendiyi kasag ngere" ["Canção de guerra"] (suiá)
• "Canto para beber xixa" (guarani)
• "Reza para melhorar lavoura" (caiuá)
• "Akia" (suiá) por Robndo
• "Canção caiuá" (caiuá) por Ireno
• "Flauta Iacuí" (xingu)

ARQUIVO
Filmes não creditados.
Fotografias.
Notícias de jornais.

FINALIZAÇÃO
Edição: Eduardo Escorel.
Assistência de edição: Idê Lacreta.

Letreiros: Claudia Zarvos, Fernando Bueno.

EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS
Película: Eastmancolor.
Administração: Zem.
Animação: Cronos.
Produção executiva: Mapa (Rio de Janeiro).

MECANISMOS DE FINANCIAMENTO
Companhia produtora: Produções Cinematográficas Mapa Ltda. (Rio de Janeiro).
Coprodução: Embrafilme Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Rio de Janeiro).
Produção associada (não creditada): Grupo Filmes Ltda.

AGRADECIMENTOS
Agradecimentos especiais: d. Tomás Balduino, Museu do Índio, Museu Guido Viaro (Curitiba), Canal 12 Curitiba, Taba Filmes, K. M. Eckstein, Olímpio Serra, Anthony Seeger / Comissão Pró-índio RJ, Vera Maria de Paula, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Gustavo Dahl, Carlos Alberto Prates Corrêa, Oswaldo Caldeira, André Luis de Oliveira, Claudia Meneses, Assis Hoffmann, Maria Helena Darcy de Oliveira
e a todos os índios que nos emprestaram som e imagem sem os quais não seria possível a existência deste filme.
Kaingang: Nonoai (RS); Mangueirinha (PR); Irani (SC).
Guarani: Mangueirinha (PR); Dourados (MS).
Caiuá: Dourados (MS); Antonio João (MS).
Cadiuéu: Bodoquena (MS).
Xavante: São Marcos (MT).
Cajabi: Baixo Xingu (MS).
Terena: Dourados (MS); Aquidauana (MS).
Maria Rosa (ofaié-xavante, Posto Icatu, perto de Bauru, SP), Daniel Cabixi (pareci, MT), Tito (nambikwara, MT), Weran (suiá, MT).

Dedicatória: Com respeito, carinho e admiração dedicamos este trabalho à memória de Noel Nutels.

FILMAGENS
Brasil /
MT, na Aldeia São Marcos (xavante; na 11ª Assembleia de chefes Indígenas, maio 1978 / corrida de tora); Aldeia Cajabi, no Parque do Xingu (out 1978);
RS, em Aldeia Nonoai (kaingang, fev 1978 / Posto Indígena de Nonoai);
SP, em São Paulo; Posto Indígena de Icatu, perto de Bauru;
PR, em Aldeia Mangueirinha (kaingang); Posto Indígena de Rio das Cobras;
MS, em Aldeia Dourados (caiuá, Posto Indígena de Dourados, mar 1978); Posto Indígena de Badoquena; Posto Indígena de Amambaí (Dia do Índio); Aquidauana (Igreja Evangélica do Posto Taunay).

ASPECTOS TÉCNICOS
Duração: 105 min
Metros: 2.882 metros
Som:
Imagem: cor-pb
Proporção de tela:
Formato de captação: 16 mm
Formato de exibição: 35 mm

DIVULGAÇÃO
Assessoria de imprensa:
Trailer. Duração:
Lobby card: 5 exemplares diferentes (In: PAULA, 2010).
Cartaz.

PREMIAÇÃO
• Prêmio Federação Nacional de Cine Clubes do Brasil 1979.

DISTRIBUIÇÃO
Classificação indicativa: 14 anos.
Certificado: Certificado de Produto Brasileiro 323 de 09.1979.
Distribuição: Embrafilme Empresa Brasileira de Filmes S.A..
Contato: Mapa.

OBSERVAÇÕES
// Copyright by Zelito Viana – Mapa 1979. //

Complementação aos créditos: As funções não creditadas são de Guia de Filmes, 1981, n.79 e de Filmografia brasileira (Cinemateca Brasileira).
Para as identidades foram acrescidos aqueles que constam no livro: Olim Bringuenti, Antonio Canheró, Hortêncio Futêi, Clemente, Virgulina, Gumercindo, Marcelino.

Títulos alternativos:
Grafias alternativas: Tzeremodzé Mario [= Mário Juruna] | Cretã Angelo | Xangrê Nelson | Iacan Ângelo | Karinri Joaquim | Xantê Alcides | Potã Norberto | Nenito Claudio | Tzudzauéré Aniceto | d. Thomás Balduino | Luis Carlos Saldanha | Assis Hoffman | caingangue e caigang | Daniel Matenho
Grafias alternativas (funções): Fotografia adicional

BIBLIOGRAFIA
VIANA, Zelito. Terra dos índios. Rio de Janeiro: Embrafilme, nov 1979. 117p. il.
Texto do filme, com narração, entrevistas e depoimentos. Ficha técnica. Parte introdutória apresenta a temática, a equipe, os personagens.
Guia de filmes – Lançados no Rio de Janeiro e em São Paulo entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 1979, Rio de Janeiro, 1981, p.39, n.79.
PAULA, Betse de. Zelito Viana – Histórias e causos do cinema brasileiro. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. 348p. il. (Coleção Aplauso Cinema Brasil)
VIANA, Zelito. Os Filmes e eu. Rio de Janeiro: Editora Record, 2022. 295p. il. Orelhas: Ana Maria Machado. Sobre Terra dos índios: p.155-172.

Noticiário:
Terra dos índios. Correio de Notícias, Curitiba, 28 nov 1979, p.13, ano III, n.768.
SILVEIRA, Marilú. "Essa história de índio aculturado é discutível". Correio de Notícias, Curitiba, 29 nov 1979, p.17, ano III, n.769.
FALCONE, Maria Carolina. Cultura indígena. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 21 dez 1979, p.10, ano XXIX, n.9.252.
ALENCAR, Miriam. Terra dos índios, de Zelito Viana. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 dez 1979, Caderno B, p.5, ano LXXXIX, n.260.
MATTOS, Carlos Alberto de. Terra (que foi) dos índios. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 29-30 dez 1979, p.11, ano XXIX, n.9.246.

Exibições


• São Paulo (SP), 3ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo [17-31 out]-Competição, MASP Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 29 out 1979, seg

• Curitiba (PR), Promoção: Cinemateca do Museu Guido Viaro e ANAÍ Associação Nacional de Apoio ao Índio, Astor (R. Voluntários da Pátria, 262), 29 nov-5 dez 1979, qui-qua, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h (estreia nacional, dia 29, 20h, presença do diretor)

• Rio de Janeiro (RJ), Ricamar (Copacabana),
21 dez 1979, sex, 20h (pré-estreia, debate)
24-30 dez 1979, seg-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
31 dez 1979-6 jan 1980, seg-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
7-13 jan 1980, seg-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h

• Rio de Janeiro (RJ), Roma-Bruni, 14-20 jan 1980, seg-dom, 14h, 16h, 18h20, 20h10, 22h

• Rio de Janeiro (RJ), Lido Sala 2 (Praia do Flamengo, 72), 21-27 jan 1980, seg-dom, 14h40, 16h30, 18h, 20h, 22h

• Rio de Janeiro (RJ), Bruni-Tijuca (R. Conde de Bonfim, 379), 28 jan-3 fev 1980, seg, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, ter-dom, 20h, 22h

[RJ: seis semanas consecutivas em diferentes salas]

• São Paulo (SP), MASP Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 12 fev 1980

• São Paulo (SP), Belas Artes Sala Villa-Lobos, 13 abr 1980

• Porto Velho (RO), Cine Club de Porto Velho, Biblioteca Municipal Francisco Meireles, 20 set 1981, dom, 20h

• Porto Velho (RO), Cine Sesc, Espaço Cultural, 16 jun 1985, dom

• Natal (RN), Sesc do Alecrim (R. Alexandrino de Alencar, 562), 6 jul 1985, sab, 19h

Arquivos especiais


Capítulos referente a Terra dos índios. In:
PAULA, Betse de. Zelito Viana – Histórias e causos do cinema brasileiro. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. 348p. il. (Coleção Aplauso Cinema Brasil) p.211-229.

Capítulo XXI
Terra dos índios, 1978
Eu faço filme para aprender, quero sempre fazer uma coisa que nunca fiz, eu tenho uma permanente curiosidade, gosto muito de pesquisar e estudar antes de fazer um filme. Eu fui descobrir quem eram os índios fazendo Terra dos índios.
Terra dos índios era o piloto de uma série para televisão que o Roberto Farias, ainda diretor da Embrafilme, teve a ideia de fazer. Em 1977, ele conseguiu uma verba da Caixa Econômica para uma tentativa de substituição das séries enlatadas, mediante a apresentação dos números de goleada que a cultura brasileira leva em seu maior meio de comunicação de massas, a TV. Eram – e ainda são – títulos importados 10.000 x 24 títulos brasileiros. É impressionante.
Nós apresentamos o projeto dos programas, que eu iria fazer com o Leon, chamava-se Brasil 480. Referência aos 480 anos do Brasil. Estávamos em 78, rodando o piloto para 80. E era um painel da história do Brasil, iria dos índios até hoje. O primeiro capitulo se chamava Da terra dos índios aos índios sem terra, depois viria um programa sobre negros, camponeses, imigrantes etc.
Era um painel enorme de uma pretensão gigantesca, com consultores, sociólogos e muita gente envolvida. Ou seja: era um projeto muito caro e que não saiu. Consegui fazer apenas o piloto que foi justamente o Terra dos índios.
Eu nem sabia que existia índio em São Paulo. Na minha cabeça índio era uma coisa que existia na Amazônia e no Xingu. Já tinha visto na revista Manchete, mas nunca tinha tido contato com a problemática dos índios e também nunca tinha visto um índio na minha vida.
Quem abriu minha cabeça foi Darcy Ribeiro. Fui entrevistá-lo para fazer o filme, e em duas horas Darcy abriu minha cabeça a bordunadas. Minha relação com os índios estava só começando. Como dizia o professor Darcy: Ninguém visita uma aldeia de índios impunemente. Eles são um contato importante e transformador do ser humano. Depois disso eu já vi quem ficasse maluco, quem não quer mais saber de índio e outros que ficaram apaixonados. Alguma coisa vai acontecer com você se você for visitar uma aldeia indígena. A experiência de conviver, nem que seja por algumas horas, com índios, é muito forte. Toda a casca, toda a armadura que você é obrigado a criar e a vestir permanentemente nessa nossa vida civilizada, composta de mentiras, interesses, preconceitos, racionalizações e frustrações, pode de repente ser ameaçada e destruída num simples gesto de uma criança que começa a passar a mão lenta e carinhosamente nos seus cabelos sem entender nada do que você diz e sem nunca te ter visto na vida.
Durante os dois anos dedicados à realização de Terra dos índios, ganhei muitos fios de cabelo branco, perdi um menisco e um dente. Vivi alguns momentos inesquecíveis que, como todo momento importante da vida, duram ao mesmo tempo alguns segundos e uma eternidade.
Terra dos índios foi feito por quatro pessoas dentro de um carro, que nem grande era: uma Variant da Volkswagen. Eu, Affonso Beato, que voltava ao Brasil depois de uma temporada nos Estados Unidos, Barbara Margollis mulher do Affonso na época, que fazia o som, e meu fiel escudeiro Chiquinho Balbino que era motorista, eletricista, assistente, fazia o foco etc. Eu era diretor e produtor, e o Affonso além de fotógrafo e câmera, era consertador de coisa de índio. Quando chegamos à aldeia dos xavante eu falei para os índios que ele concertava gravador, e os índios xavantes tinham mania de gravador, o gravador do Juruna estava na moda. Todo índio xavante tinha um gravadorzinho K7 para gravar as mentiras dos brancos. E não deu outra, era uma fila na barraca do Affonso para consertar os gravadores com defeito. O Affonso ficava desesperado.
– Não tem conserto! Isso aqui foi feito para jogar fora!
E tentava explicar aos índios a sociedade de consumo, que aquilo era um material descartável. Só que de vez em quando ele consertava mesmo, e aí a fila aumentava.
E assim nós ficamos rodando o Brasil inteiro. Passamos seis ou sete meses filmando, e revelamos tudo de uma vez, copiando numa luz única como o Affonso determinou no laboratório. Quando fomos para a moviola, eu e o Eduardo Escorel, montador do filme, olhamos aquele material todo e não tinha um plano fora de foco, um plano com câmera tremida, um plano fora de diafragma, não tinha defeito nenhum. Um documentário feito no meio do mato nas mais precárias condições, mas tecnicamente um filme muito bem acabado muito bem feito. Tínhamos sessenta horas de copião bom. É o desespero do montador. Passamos um ano na moviola, e os copiões rodando para lá e para cá, para estruturar e montar o filme.

Capítulo XXII
Casa dos índios
Durante a filmagem de Terra dos índios nós visitamos várias aldeias, desde o sul até Mato Grosso. E aí, na hora da despedida, aquela velha frase do carioca: Quando for no Rio passa lá em casa. Os índios levaram a sério e de repente toca a campainha, eram quatro xavantes na porta de casa. A Kombi em que eles vieram fez a curva e foi embora.
Os xavantes passaram meses em nossa casa. Ocuparam uma sala da Mapa com artesanato para vender, dançavam nas comemorações importantes, ou seja, quando tinha visita, e comiam. Comiam muito. Faz parte da cultura deles, não acumular nada e aproveitar cada dia, sendo assim, o que tem na frente eles comem, porque não sabem quando vão comer de novo. Então eles tomavam café, almoçavam e jantavam como se fosse a última refeição.
Meses depois, quando eles decidiram partir eu levei os quatro índios xavantes numa churrascaria de rodízio. Foi uma festa. Eles acabavam com tudo, vinha aqueles espetos que eles desciam inteiros, e acabaram com toda a guarnição também. Começou a vir garçom, gente da cozinha para ver aquilo. Horas tantas eu falei:
– Bom, agora já está bom, né pessoal? A gente pode ir embora.
– Será que não dá para levar um frango para mais tarde?
Marquinhos [Marcos Palmeira], meu filho, nessa época tinha uns 16 anos, e ficou muito próximo dos índios, que cortaram o cabelo do dele, deram um nome indígena para ele, e convidaram-no para ir para a aldeia. Nós permitimos e ficou acertado que ele iria nas férias de julho, quando teria uma cerimônia na aldeia de iniciação dos jovens.
Um dia notei que Aniceto, o cacique, estava meio triste, jururu. Resolvi perguntar o motivo daquela tristeza toda.
– Eu tô preocupado com o Marquinhos.
– Preocupado com quê?
– Ele é grande e não sabe nada... Ele não sabe andar no mato, não sabe atirar uma flecha. Ele não sabe nada e já é grande, como é que eu vou ensinar pra ele?
Ele estava preocupado com a educação de adulto, como é que faz a alfabetização de adulto. Ensinar crianças ele sabia, mas gente grande não.
Esses quatro xavantes foram só os primeiros índios. Até 1980, quando Mário Juruna foi eleito deputado federal, minha casa era a embaixada indígena no Rio de Janeiro. Xavantes, bororos, guaranis... Se alguém visse um índio nas ruas do Rio de Janeiro, com certeza ou estava indo ou voltando da nossa casa no Cosme Velho. Depois Juruna se tornou deputado e os índios devem ter achado outra embaixada.
Passados mais de 20 anos, eu estou em casa, tocam a campainha, eu vou abrir e tem um xavante velho parado:
– Eu sou o pai do Marquinhos.
E agora? O índio roubou o meu texto, e eu já nem sabia o que dizer. Ele continuou.
– Cadê o Tsiwari?
Tsiwari, que significa Sem medo, é o nome indígena do Marquinhos. Liguei para ele que veio imediatamente. Quando Germano viu o Marquinhos começou a chorar, a abraçar o Marquinhos, e contou como ia o resto da família. Cena surrealista.
Mas o fato é que, no século XXI, o Marquinhos reatou os laços com a família indígena dele. Em 2005, resolvemos passar o aniversário do Marquinhos na aldeia xavante, e passamos onze dias lá.
Eu não sei se foi ele quem adotou a aldeia ou se foram os índios que adotaram ele. Mas no dia do aniversário, me pintaram o cabelo, o corpo todo, e nós nos sentamos, Marquinhos no meio, eu e Germano – o pai-índio dele –, cada um de um lado, e os índios todos vinham, e davam colares de presente. A aldeia toda compareceu, uma coisa tão emocionante. Os índios têm um lado de afeto puro que é impressionante, e nunca cansam de surpreender.

Como citar o Portal


Para citar o Portal do Cinema Gaúcho como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
Terra dos índios. In: PORTAL do Cinema Gaúcho. Porto Alegre: Cinemateca Paulo Amorim, 2025. Disponível em: https://www.cinematecapauloamorim.com.br//portaldocinemagaucho/2028/terra-dos-indios. Acesso em: 03 de maio de 2025.